quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O Voo da Petrobrás


Fonte: Revista Retrato do Brasil
SEGEN STEFEN, DIRETOR do LabOcea-no, um dos grandes laboratórios públicos criados com apoio de contratos com a Petrobras, diz que o pré-sal pode ser para os brasileiros o que a corrida espacial foi para os americanos. “Os EUA souberam tirar proveito da corrida espacial desenvolvendo uma série de produtos na área de comunicações e em várias outras áreas. Se o Brasil souber tirar proveito do pré-sal, se houver um planejamento, ele pode ganhar escala inclusive transferindo conhecimento da indústria do petróleo para outras indústrias. Esse já é o grande diferencial do Brasil, o domínio que nós temos do mar.” O País deve explorar o pré-sal pensando em ganhos além do pré-sal, diz ele. “Acho que isso deveria ser induzido pelo governo, por meio de ciência e tecnologia.”Mas conclui:“Infelizmente, eu não vejo nenhum discurso sério nesse sentido.”“Infelizmente” é a palavra certa. Roberto Nicolsky, diretor-geral da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec), uma entidade de 25 associações industriais, diz que o Brasil enfrenta “uma calamidade”, uma desindustrialização “clara e cristalina”.Em meados de setembro, a Protec divulgou o balanço do comércio de bens industriais do Brasil com os outros
países relativo ao primeiro semestre deste ano. Dividido por faixas de conteúdo tecnológico, o documento mostrou que nos setores de baixa e média baixa tecnologia houve um superávit de 20,5 bilhões de reais e que nos de média-alta e alta tecnologia houve um déficit brutal, de 38,6 bilhões de reais. Nicolsky soma a esse déficit outro, de 11,2 bilhões, do aluguel pelo Brasil de equipamentos de alta tecnologia do exterior. Ele conclui que o déficit da indústria do País nos setores de média-alta e alta tecnologia deva ultrapassar, em 2011, 100 bilhões de reais, podendo chegar a 120 bilhões.O Brasil só não enfrenta, no momento, uma crise no seu balanço de pagamentos com o exterior porque no comércio de bens é um dos maiores exportadores globais de commodities, como soja, minério de ferro e petróleo, amplamente consumidas pela continuada expansão da China. E porque toma grandes empréstimos externos para compensar o outro enorme buraco nas suas contas, que é representado especialmente pelas gigantescas remessas de lucros e dividendos para o exterior – estimadas, para este ano, em 37 bilhões de dólares. Mas, como se sabe, quanto mais o País toma empréstimos externos para equilibrar contas correntes e quanto mais importa produtos de alta tecnologia, com maior valor agregado, e exporta commodities, de menor valor, menos futuro tem.Os próprios números do Protec mostram que a Petrobras é parte do problema e está tentando ser parte da solução. No setor de média-baixa tecnologia, no semestre que passou houve um modesto saldo, de meio bilhão de reais, oriundo basicamente da exportação de uma plataforma de produção de petróleo, a primeira feita no País. E no aluguel de equipamentos, um dos custos mais elevados foi o dos trazidos para os investimentos no pré-sal. No plano de exploração do pré-sal busca-se incentivar localmente a produção de equipamentos.Mas, até agora, quase quatro anos depois de iniciado esse esforço, o que está se desenvolvendo é uma indústria de média-baixa tecnologia, como a da construção de barcos para produção de petróleo. No caso de barcos para perfuração de poços, essenciais para a indústria — e caríssimos, com aluguéis de até mais de meio milhão de dólares por dia —, de um plano de contratação de 28 barcos, a Petrobras só conseguiu contratar sete, porque considerou despropositados os preços oferecidos para produzir aqui os demais 21. Mesmo assim, a companhia que fabricará os sete no Brasil encomendou praticamente toda a parte de alta tecnologia do barco, equivalente a cerca de um terço do valor da encomenda, da companhia americana líder do mercado global.
Há dois problemas maiores:.É realmente difícil implantar indústrias de alta tecnologia aqui. No caso das oil service companies, as indústrias de serviços para o setor de petróleo, algumas — como as três líderes do setor, Schlumberger, Halliburton e Baker Hughes — são empresas com conhecimentos acumulados praticamente desde o surgimento dos setores elétrico, eletrônico, metal-mecânico, computacional e nuclear. Isso graças a um trabalho centenário realizado lado a lado com o big oil, com as grandes petroleiras, como Exxon Mobil, Shell e British Petroleum.
Mudar o padrão de desenvolvimento tecnológico do País é uma tarefa política mais ampla, e não específica da Petrobras. A estatal brasileira, não se pode esquecer, é novata no mundo do big oil. Surgiu em 1954 como parte dos esforços da industrialização retardatária do País que vinham sendo desenvolvidos por Getulio Vargas. Nos anos 1990, dos governos liberais, quase foi privatizada, e praticamente todo o esforço dela em criar uma indústria nacional que a apoiasse foi desmantelado. Além disso, recebeu uma herança difícil de ignorar. Como realizar o objetivo de criar mais conteúdo nacional, desejo exposto no plano do pré-sal, se a criação de tecnologia é um problema prático que ocorre nas empresas e o governo Fernando Henrique Cardoso eliminou, em 1997, a distinção feita na Constituição brasileira de 1988 entre a empresa controlada por capital nacional e a controlada por capital estrangeiro?
Os dois problemas relacionam-se e tornam muito difíceis certas soluções simples. Suponhamos que se consiga contornar a proibição constitucional de tratar diferentemente empresas de capital nacional e de capital estrangeiro. De certo modo, aliás, essa é a política praticada pelos governos pós-liberais, comandados pelo Partido dos Trabalhadores, baseada na escolha dos “campeões locais”, aos quais se fornecem empréstimos bilionários a juros completamente distintos dos que são oferecidos às empresas dirigidas por mortais comuns. Quem garante que esses campeões “nacionais” não venderão suas empresas ao capital estrangeiro e se tornarão rentistas, como tem acontecido com tantos?
E o que é mais grave: quem garante que esses heróis transferirão os benefícios recebidos do Estado brasileiro para uma massa ampla de trabalhadores? Um exemplo de um desses campeões é Eike Batista, dono da petroleira recém formada OGX. Batista levou para a direção da OGX, a fim de ganhar o leilão dos blocos de petróleo na região do chamado Arco de Cabo Frio, parte da cúpula do setor de exploração de petróleo da Petrobras. Possui apenas algumas centenas de trabalhadores, e seus cinco diretores ganharam, em média, no ano passado, 5,96 milhões de dólares, com um máximo de 11,9 milhões de dólares.Tome-se por comparação a Petrobras, embora ela já não seja mais uma referência maravilhosa, pois os liberais promoveram nela uma enorme terceirização e, além disso, ao venderem mais de um terço de suas ações no exterior, transformaram-na em uma das empresas do País que mais remetem lucros. Mesmo assim, a Petrobras é um modelo de distribuição de renda diante da OGX: em 2010, seus sete diretores receberam em média cerca de dez vezes menos, 691 mil dólares por ano, com um máximo de 728 mil dólares. E ela possui 250 mil trabalhadores, embora dois terços sejam terceirizados, com salários bem menores que os dos contratados diretamente pela companhia
O esforço para desenvolver conteúdo local mostra que o Brasil precisa de uma empresa como a Petrobras e que atue como ela o fez no passado, incentivando o desenvolvimento tecnológico de pequenas e médias empresas locais. Veja-se o caso, citado em nossa reportagem, da FMC Technologies, americana, que adquiriu a brasileira CBV Subseas. Nos anos 1980, a CBV Subseas desenvolveu, aqui, as “árvores de natal molhadas”, equipamentos pesados instalados no fundo do mar, na cabeça dos poços, para controlar a injeção e a saída de fluidos. Hoje, a Petrobras anuncia cerca de mil poços a serem perfurados no pré-sal — comprará mil “árvores”, portanto. Cada uma tem custo estimadoem 6 milhões de dólares. No total, serão faturados aqui algo como 6 bilhões dedólares. Mas não se limita à fabricação das árvores no Brasil. O lucro, pela média das oil service companies — que é alta, na faixa de 20% do faturamento, como mostram estudos —, pode ser estimado em 1,2 bilhão de dólares. Faz diferença que o fabricante seja hoje a FMC, e não, como antes, a CBV Subseas. Nos dois casos, a fabricação seria local. Mas com a FMC boa parte desse dinheiro será enviada para o exterior, agravando as dificuldades de nosso balanço de pagamentos.
No setor de equipamentos e serviços para a indústria do petróleo, o Brasil precisa não só da Petrobras e de empresas privadas nacionais, mas também de empresas estatais que tenham porte suficiente para se associar com estrangeiras de grande conhecimento técnico que queiram tirar proveito das enormes oportunidades que surgem com o pré-sal, dando, em contrapartida, transferência de tecnologia. O País não pode oferecer-lhes a exploração do pré-sal de graça, num ambiente dito livre, de livre inovação, no qual grandes laboratórios construídos com fundos públicos parecem não ter um propósito nacional definido e ficam à espera de alugar seus serviços a quem aparecer.
No clima de open innovation, como o que já parece existir na Ilha do Fundão, no Centro Tecnológico do Rio de Janeiro, onde se instalaram nos últimos meses dez multinacionais estrangeiras, é preciso forçar o aparecimento do conteúdo nacional pretendido, porque o aproveitamento maior parece estar sendo das de fora. E a última questão, mas não por isso menor, é que o petróleo não é um produTo qualquer. Não se pode esquecer que em 2008, pouco depois do anúncio das grandes descobertas do pré-sal brasileiro, os americanos anunciaram a recriação da IV Frota da Marinha dos EUA para operar, quando ativada, no Atlântico Sul. A IV Frota, na II Guerra Mundial, acompanhava os navios mercantes nessa área, junto com a Esquadra brasileira. Em 1964, os EUA cogitaram usá-la para apoiar o golpe militar que derrubou o presidente eleito João Goulart, caso houvesse resistência. Quem anunciou a recriação da IV Frota foi o governo de George W. Bush. Ele tinha como vice-presidente Dick Cheney. Cheney foi presidente da Halliburton, bem como o inspirador da invasão do Iraque, país com uma das maiores reservas de petróleo, diga-se de passagem.
No começo de 2008, a Halliburton ganhou fama no Brasil porque foram roubados de contêineres sob sua responsabilidade, que vinham da Bacia de Santos para o pátio da empresa em Macaé, laptops e discos rígidos de computadores de engenheiros da Petrobras contendo dados sobre as pesquisas de petróleo e gás em águas profundas. O caso foi investigado pela Polícia Federal e pela estadual do Rio. E embora a conclusão tenha sido a de que o roubo fora praticado por ladrões comuns, o fato de computadores com informações sensíveis da Petrobras estarem em contêineres da Halliburton revelava no mínimo certa promiscuidade nas relações da estatal com sua prestadora de serviços nesta que é uma área tão sensível. Quem acha que Petrobras e Halliburton são iguais porque são ambas empresas do livre mercado ou é ingênuo ou tem outras intenções.A estratégia de fortalecimento do conteúdo nacional passa, a nosso ver, necessariamente pelo fortalecimento e pela democratização das empresas estatais brasileiras. Nesse sentido, é um erro que no estudo encomendado pelo BNDES para desenvolver o conteúdo nacional no aproveitamento do pré-sal tenham sido escolhidos como países-modelo a Indonésia, a Inglaterra, o México, a Rússia e a Noruega, com exclusão da China. A China encarou o problema da indústria do petróleo por inteiro: possui três empresas do big oil e três dezenas de oil service companies, uma delas criada explicitamente para fazer frente ao trio de vanguarda desse setor da economia do petróleo, as já citadas Schlumberger, Halliburton e Baker Hughes.
A estratégia chinesa parece ter mais a ver com o Brasil por outra razão: ao contrário da Exxon Mobil, da British Petroleum, da Shell, da Chevron, da Total, da ConocoPhillips, da Eni e da Statoil, que figuram entre as dez maiores petroleiras do mundo e têm reservas com produção decadente, a Petrobras e a PetroChina, que eram, respectivamente, a quinta e a terceira empresas desta lista de 2007,quando o estudo encomendado pelo BNDES foi feito, têm reservas crescentes, fazem parte do novo big oil, e são as petroleiras dos Estados nacionais.

FONTE : (wwww.retratodobrasil.com/ Revista Retrato do Brasi)

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